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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

XVV. Canção - Alphonsus de Guimaraens

Nasci poeta. Que queres?
Hei de viver a cantar
Farei versos às mulheres
Ao sol, à noite, ao luar.
Envolto na minha capa,
Viverei no meu jardim,
Nossa Senhora da Lapa
Há de sorrir para mim.
Pois ela sabe que esta alma
É mais pura que uma flor.
Vive tão calma, tão calma,
No sonho do meu amor!
Nas asas da fantasia,
Para meu bem ou meu mal,
Hei de viver noite e dia,
Até morrer afinal…

Remorso (Olavo Bilac)

Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

Ouvir Estrelas (Olavo Bilac)

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

domingo, 14 de agosto de 2011

Paradoxo de Luís de Camões


Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?

domingo, 7 de agosto de 2011

Palavras - Olavo Bilac


As palavras do amor expiram como os versos,
Com que adoço a amargura e embalo o pensamento:
Vagos clarões, vapor de perfumes dispersos,
Vidas que não têm vida, existências que invento;

Esplendor cedo morto, ânsia breve, universos
De pó, que o sopro espalha ao torvelim do vento,
Raios de sol, no oceano entre as águas imersos
-As palavras da fé vivem num só momento...

Mas as palavras más, as do ódio e do despeito,
O "não!" que desengana, o "nunca!" que alucina,
E as do aleive, em baldões, e as da mofa, em risadas,

Abrasam-nos o ouvido e entram-nos pelo peito:
Ficam no coração, numa inércia assassina,
Imóveis e imortais, como pedras geladas.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros - Gonçalves Dias

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,

De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Quebrando a solidão,

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.

São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranquilos,
Às vezes vulcão!

Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto humedece
Me fazem chorar.

Assim lindo infante, que dorme tranquilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.

Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.

Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.

Meu Erro (Autor desconhecido) - Dedico à Deus.

Meu erro foi não seguir os meus princí­pios
Foi esquecer o que sou e me deixar levar
Foi deixar que uma noite me tirasse o sorriso


Meu erro foi esquecer que você existe
Foi permitir que a raiva me dominasse
Foi esquecer da sua importí¢ncia para mim
Foi, enfim, te magoar


Peço hoje que me perdoe pelos meus atos
E se um dia puder, volte a confiar em mim
Não sei quão grave foi meu erro,
Mas você para mim é incondicional.

Ismália - Alphonsus de Guimaraens (Poeta Simbolista)


Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Menina e Moça - Machado de Assis

Está naquela idade inquieta e duvidosa, 
Que não é dia claro e é já o alvorecer; 
Entreaberto botão, entrefechada rosa, 
Um pouco de menina e um pouco de mulher. 

Às vezes recatada, outras estouvadinha, 
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor; 
Tem coisas de criança e modos de mocinha, 
Estuda o catecismo e lê versos de amor. 

Outras vezes valsando, e* seio lhe palpita, 
De cansaço talvez, talvez de comoção. 
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita, 
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração. 

Outras vezes beijando a boneca enfeitada, 
Olha furtivamente o primo que sorri; 
E se corre parece, à brisa enamorada, 
Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri. 

Quando a sala atravessa, é raro que não lance 
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar 
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance 
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar. 

Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia, 
A cama da boneca ao pé do toucador; 
Quando sonha, repete, em santa companhia, 
Os livros do colégio e o nome de um doutor. 

Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra; 
E quando entra num baile, é já dama do tom; 
Compensa-lhe a modista os enfados da mestra; 
Tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon. 

Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo 
Para ela é o estudo, excetuando talvez 
A lição de sintaxe em que combina o verbo 
To love, mas sorrindo ao professor de inglês. 

Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço, 
Parece acompanhar uma etérea visão; 
Quantas cruzando ao seio o delicado braço 
Comprime as pulsações do inquieto coração! 

Ah! se nesse momento alucinado, fores 
Cair-lhes aos pés, confiar-lhe uma esperança vã, 
Hás de vê-la zombar dos teus tristes amores, 
Rir da tua aventura e contá-la à mamã. 

É que esta criatura, adorável, divina, 
Nem se pode explicar, nem se pode entender: 
Procura-se a mulher e encontra-se a menina, 
Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!

Língua Portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela, 
És, a um tempo, esplendor e sepultura: 
Ouro nativo, que na ganga impura 
A bruta mina entre os cascalhos vela 
Amo-se assim, desconhecida e obscura 
Tuba de algo clangor, lira singela, 
Que tens o trom e o silvo da procela, 
E o arrolo da saudade e da ternura! 
Amo o teu viço agreste e o teu aroma 
De virgens selvas e de oceano largo! 
Amo-te, ó rude e doloroso idioma, 
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", 
E em que Camões chorou, no exílio amargo, 
O gênio sem ventura e o amor sem brilho! 

Requiescat - Olavo Bilac

Por que me vens, com o mesmo riso, 
Por que me vens, com a mesma voz, 
Lembrar aquele Paraíso, 
Extinto para nós? 

Por que levantas esta lousa? 
Por que, entre as sombras funerais, 
Vens acordar o que repousa, 
O que não vive mais? 

Ah! esqueçamos, esqueçamos 
Que foste minha e que fui teu: 
Não lembres mais que nos amamos, 
Que o nosso amor morreu! 

O amor é uma árvore ampla, e rica 
De frutos de ouro, e de embriaguez: 
Infelizmente, frutifica 
Apenas uma vez... 

Sob essas ramas perfumadas, 
Teus beijos todos eram meus: 
E as nossas almas abraçadas 
Fugiam para Deus. 

Mas os teus beijos esfriaram. 
Lembra-te bem! lembra-te bem! 
E as folhas pálidas murcharam, 
E o nosso amor também. 

Ah! frutos de ouro, que colhemos, 
Frutos da cálida estação, 
Com que delícia vos mordemos, 
Com que sofreguidão! 

Lembras-te? os frutos eram doces... 
Se ainda os pudéssemos provar! 
Se eu fosse teu... se minha fosses, 
E eu te pudesse amar... 

Em vão, porém, me beijas, louca! 
Teu beijo, a palpitar e a arder, 
Não achará, na minha boca, 
Outro para o acolher. 

Não há mais beijos, nem mais pranto! 
Lembras-te? quando te perdi 
Beijei-te tanto, chorei tanto, 
Com tanto amor por ti, 

Que os olhos, vês? já tenho enxutos, 
E a minha boca se cansou: 
A árvore já não tem mais frutos! 
Adeus! tudo acabou! 

Outras paixões, outras idades! 
Sejam os nossos corações 
Dois relicários de saudades 
E de recordações. 

Ah! esqueçamos, esqueçamos! 
Durma tranqüilo o nosso amor 
Na cova rasa onde o enterramos 
Entre os rosais em flor... 

Um Beijo (Olavo Bilac)

Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior...Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...